4.8.08

Na feijoada




Eu estava apaixonada. Não, apaixonada é muito forte. Imagina: eu, apaixonada... Rá. Mulheres modernas não se apaixonam. Vamos reformular! Estava querendo só dar uns pegas... Assim, coisa leve. Descompromissada. Moderna. Aliás, pós-moderna. Ultra-contemporânea. Uns beijinhos. Só isso.


MENTIRA! Estava caidinha mesmo. Bastava, por exemplo, olhar para os cabelos dele e vinha um pensamento nefasto, como Nossos filhos terão cabelos de qualidade! . Revisava a minha assinatura, já com o sobrenome dele, imaginava nosso cotidiano. Era dia e noite pensando nele. Ininterruptamente. E em loop. O que seria, de fato, um inferno na terra, caso ele não fosse ele. Mas ele ERA ele. O que imediatamente, me lançava instantaneamente e sem escalas pro paraíso.


Por exemplo, quando eu achava que dormir seria uma ótima solução, só pra minha vida ter uma outra razão além dele, lá estava o próprio, em todos os meus sonhos. E lá ríamos, conversávamos. Delícia. Isso quando, evidentemente, eu dormia. Era muito melhor ficar acordada, ligadona, pensando nele. Vivia eufórica... Parecia que tinha tomado 50mg de qualquer anfetamina barata de uma vez.
Lia Vinicius de Moraes e pensava nele. Ouvia Maria Bethânia e sonhava em declamar aquilo tudo pra ele. E diga-se de passagem: até um Bruno e Marrone me fazia lembrar daquele rapaz Assistia os filmes mais imbecis e pensava nele. Até mesmo quando eu, nas minhas incontáveis noites de insônia, assistia “A Fogueira Santa de Israel”, eu jurava vê-lo ali, como um dos fiéis, gritando “queimaaaaa”. Porque eu não sei se você já teve este tipo de experiência, mas quando eu tô caidinha por alguém, eu vejo a pessoa em qualquer lugar que meu olhar possa alcançar. Obviamente é apenas uma alucinação da minha mente carente/psicótica. Aí é um tal de viver em quase-síncope o tempo inteiro, porque eu acho que vejo, meu coração já dispara. Ainda bem que meu coração anda – biologicamente - numa boa.
Mas o caso é que até este momento, necas... Nem um beijinho. Só flerte.


Certa vez, ele me chama pelo messenger.

- Oiiiiiiiiiiiiiii!!!!
- Uau, que animação! Tudo bem?
- Tudo! Vc ta sabendo... sábado tem feijoada da Portela.
- Claro que eu to... hehehe...
- Vc vai?
- Vou! Vc vai tambéééémmmm?
- Por que este “tambéééém” histérico???? HAHAHAHA
- Ai... vc vai ou não vai?
- Olha o pití...
- Hein, hein, hein?
- Vou… Por que?
- Nada, não. Só curiosidade. Tava achando que você poderia me pagar uma cerveja lá. Aquela caloreba toda, sabe?
- É, vou pensar no seu caso.
- ... (na verdade, neste momento, eu queria ter mandado um coraçãozinho batendo forte... pois como você, leitor, pode supor, eu estava quase tendo uma convulsão).
- Sábado eu te ligo!
- Beleza! (aquela que quer pagar de “não to nem aí”).
- Então tá... Até sábado! Beijooooooooooooooooo (será que este beijo enorme é sinal de paixão???)
- Beijão! (na boca, de língua, por todo seu corpinho moreno... gostoso!)

Era uma quinta-feira. De repente eu me vi submergindo em tantas pendências: emagrecer 10 kg em dois dias. Depilação da virilha (afinal, nunca se sabe... e de qualquer maneira, não era legal sair por aí parecendo uma peruca de biquíni). Hidratação do cabelo. Do cotovelo. Do calcanhar. Calcinha nova. Perfume na medida certa. Assim como a maquiagem. IMPORTANTE: lembrar de não passar da segunda latinha. Escutar nestes dois dias todos os sambas que der (pra parecer íntima do situação). Unha vermelha. A do pé. A da mão tem que ser branquinha. Roupa impecável e que combine com clima samba-suor-e-cerveja, sem parecer gratuita... Muito menos oferecida! Camisinha (afinal, nunca se sabe... e de qualquer maneira, era legal parecer uma mulher que se cuida). E por falar em se cuidar, o mais importante: ES-CO-VA-DE-DEN-TE. Acima de qualquer coisa, aquilo seria uma feijoada, vamos combinar.

No sábado, revisei todas as pendências:

- Unha? Impecável!
- Depilação? Pele lisinha!
- Roupa? Passada e cheirando a amaciante.
- Escova de dente, camisinha, rímel e gloss? Dentro da micro-bolsa que coordenada com o resto da vestimenta.
ARRASEI!
Lá pelas 3 da tarde chego na Portela. Ele liga em seguida. Já estava chegando. Eu estava comendo. Pânico. Larguei o lombinho e corri pro banheiro escovar o dente, passar o fio dental. Afinal, era hoje! HO-JE. Dali a meia hora talvez fosse um dos momentos mais felizes da minha vida, só comparando com o dia em que consegui meu primeiro emprego de carteira assinada. Neste dia, minha mãe até bateu foto.

O telefone toca mais uma vez.
- Nanda? Cheguei! Taonde?
- Errrrrr... to chegando na quadra.
- Ué, você não tinha chegado, doida?
- É, tinha. Tava o banheiro.
- Ah, ta! Já comeu?
- Já!
- Então, vamos fazer o seguinte... Eu vou comer, aí eu te ligo novamente, ta?
- Ta bem!
- Beijinho!
- Beeeeeijo!

Aiiiiiiiii, “beijinho”. Adorei o diminutivo! Que lindo! Ele estava apaixonado! Ele nem me chama de gatinha, coisa que eu odeio! Isso é um sinal divino! Que vontade de pular! E estava mesmo apaixonado! Uhuuuuuuuuuuuuulllllll!!!!

Depois de 1 hora de uma manada de elefantes pisoteando meu estômago, toca o telefone.

- Nandiiiiinha! (cheio de malemolência!). Acabei de comer, cadê você?
- To numa mesa a esquerda do palco!
- To indo a praí! Não vou te mandar beijo agora, não. Prefiro dar ao vivo.
(desmaiei)
- Nanda?
- Oi... hehe... tá muito alto o som aqui. O que você disse mesmo?
- Que eu to chegando!
- Ah, tá. To te esperando já há quase 2 horas! Vem logo!
- Já to te vendo daqui.

Passaram-se 15 segundos até ele chegar. Os 15 segundo mais demorados de toda a minha vã existência. Chegou dando um cheiro no cangote, o que eu amei, claro.
- Então, vamos tomar aquela...
As palavras de repente foram ficando cada vez mais baixas, mais baixas, tão baixas que eu nem escutei o resto da frase... Entrei em estado de choque anafilático quando me dei conta de que ali, em cima do seu canino, repousava, serena, uma enorme casca de feijão. Daquelas que a gente tem vergonha de falar pra pessoa que a porta de tão enorme que ela é... porque ela denuncia assim, diretamente, que a pessoa em questão é uma grande porca. Aliás, a pessoa não perguntou nem pro melhor amigo se a boca estava. Ok, amigos também servem pra este tipo de coisa, tive vontade de denunciar. SENHOR, AQUILO ERA UMA FEI-JO-A-DA! Eu me torturei numa depiladora pra este infeliz me aparecer aqui, com esta casca no dente??? Ah, não. Uma lágrima verteu do meu olho esquerdo e na minha caixa craniana ecoava, solitária, a palavra “merda”.

- Que foi, gatinha? Que cara é esta?
- Anh? Cara? Ah! Nada, não...

(na verdade, depois da décima quinta latinha, eu o avisei da existência da casca de feijão. O climinha “Alasca” dissipou-se. Nos pegamos ali mesmo. Ele, sem casca. Eu, com – muita - cerveja. Nos casamos quatro meses depois, no mesmo samba. Hoje temos um filho ruivo e um labrador chocolate).


3 ficando fora de si:

Jana disse...

e a casca não interferiu em nada kkkkkkkkk

beijo

Anônimo disse...

Não foi do jeito que ela imaginava, mas o fim foi o mesmo! Agora... peruca de biquini foi SENSACIONAL!

Anônimo disse...

Momentos impagáveis/marcantes: a lembrança da escova de dentes (com a justificativa contunDENTE) e a foto batida pela mamãe. Menina, cada dia de sua vida é um episódio melhor que "Os Normais", "Sexo Frágil", "Grande Família", "Sex and the City", "Toma Lá Da Cá" e tantos outros JUNTOS!!!. Te amo!! Beijos mil.