8.10.08

As coisas que só acontecem comigo: lou lou da pomerânia.

Eu ainda estava na graduação e tinha uma bolsa de iniciação científica do CNPq. Ou seja, eu não era ninguém, nada, coisa nenhuma, mas deveria levar uns artigos ao escritório do CNPq e isso me fazia com que eu me sentisse bem importante. Incrível como eu era arrogante sem perceber. Pior: devo ser ainda.

O artigo era pra concorrer ao melhor trabalho do ano (ou alguma coisa similar) e o prêmio era uma super bolada. Papo de uns dois mil reais. Sim, naquela época eu achava que essa bolada me levaria à Paris, por exemplo. No máximo à Canoa Quebrada, anjo. E dê-se por feliz. E achava que era tanto dinheiro que eu supunha que eu tivesse que entregar o tal artigo vestida como A campeã. Aquela coisa de assustar os concorrentes. Na época eu trabalhava a transferência em análise com Antígona, a tragédia. Jesus, como eu era criativa. E não, eu não fumava o cigarrinho do capeta. Não fumo ainda hoje pros engraçadinhos que pensaram "mas hoje, nééé".

Fui pra Ilha do Fundão como quem vai a um jantar de negócios: uma pasta cheia de livros e papéis (que estava pesada, inclusive), blusa preta, calça vinho, cabelo escovado, maquiagem leve e, evidente, salto agulha. Queridos três leitores, a Ilha ser do Fundão não é gratuitamente. A conclusão de que tudo nesta vida tem sua razão de ser se torna mais verdadeira a cada vez em que é colocada em prova.

Peguei o 910, linha de ônibus que deveria entrar no Guiness Book como o veículo de passageiros que, numa mesma viagem, atravessa o maior número de lugares perigosos do mundo: Vaz Lobo, Penha, Brás de Pina, Ramos, Olaria, Avenida Brasil e Linha Vermelha (trecho do complexo da Maré). Naquela época Plutão não tinha dado as caras no meu mapa astral e eu achava que o mundo era cor de rosa e que as paredes das casas eram feitas de waffers. Fui, sem temor nem piedade (aproveitando o gancho de Antígona e tal...).

Cheguei ao Fundão um tanto suada e esbaforida, já que era mais ou menos meio dia do verão carioca. O portal do inferno, para os íntimos. Porém, naquele momento, o que de fato importava era que escova e a maquiagem estavam ainda intactas. Viva, vou arrasar! Concorrentes, me aguardem. A sala do CNPq fica no prédio da reitoria que, por motivos estratégicos, é no fundão do Fundão. É a mesma lógica que faz de Brasília a nossa capital federal. Então, tive que pegar um outro ônibus dentro na UFRJ.

Saltei do cata-corno-federal na lateral da reitoria. Parei. Olhei. Entre mim e o prédio havia um pântano. E entre mim e o pântano, um salto agulha. Ok, sem desespero. Nem tudo está perdido, pensei. Meus concorrentes hão de ver que eu andei na lama antes de chegar aqui. O que me dá todo um caráter de bravura e coragem. Sim, caríssimos, sou uma guerreira. Enchi os pulmões de oxigênio e alguma outra coisa sulfúrica que tinha o ar dali (que me deu até uma certa onda, admito).

Montei minha estratégia: andar rápido só com ponta dos pés, uma vez que se o salto entrasse na lama, a probabilidade de eu cair seria exponencialmente aumentada. Além disso, se eu andasse devagar, com toda graça e a malemolência que me são peculiares, certamente a lama ia chegar no meu queixo e, além disso, também me ocorreu um certo temor de que ali surgissem caranguejos e restos humanos em geral.

Em plena corrida pelo mangue, percebi que havia um cachorrinho me olhando. Olhar fixo, intrigado. Era bem pequenininho, do tamanho de um Lou lou da Pomerânia. Ele me encarava, deitadinho embaixo de uma árvore. Isso mesmo, cachorrinho, há mais razões para nós, humanos, termos dominado o mundo do que supõe sua vã filosofia: nós sabemos, por exemplo, andar na lama com saltos finos.

O estranho é que ele começou a rosnar sem um motivo aparente. Lá de longe mesmo. Só que eu continuava andando rápido na ponta dos pés e na lama e ele me encarando e eu me aproximando e ele rosnando e ops, uns filhotes ah, que bonitinho, filhotes de pseudo-lou lous-da-pomerania!!

Neste momento, me faltavam dois metros para alcançar o cãozinho. Que continuava rosnando. Que começou a latir. Que se levantou. Que era uma cadela. Que protegia a cria. Que rosnava e latia. Que, opa, começou a correr pra me pegar.

É.

Em milésimos de segundo, cada axônio dos meus sistemas nervosos central-periférico-simpático-e-parassimpático foi tomado por todo peso do instinto de sobrevivência, aquele mesmo que garantiu que à minha linhagem erectus não se extinguisse há alguns milhares de anos.

Sim, eu sei, estamos no topo da cadeia alimentar, que era só uma dar um chute e a lou lou voaria longe e bla bla bla bla. Entretanto, aquela féla de uma rapariga corria atrás de mim com a intenção nefasta de morder a barra da minha calça. Ah, não. Rasgar a minha calça já é demais. Basta o meu bico fino/salto agulha enterrado na lama (já havia esquecido minha tática há muito, muito, muuuuuuuito tempo).


Gritei (aaaaaaaaaaaaah!!! Sai cachorro, sai, sai, sai, sai).

Corri da cadela. (aaaaaaaaaaaaah!!! Sai cachorro, sai, sai, sai, sai).


Corri da cadela no meio do pântano vestida como A campeã e com platéia, uma vez que o prédio da reitoria é o prédio de arquitetura e de belas artes. Era meio dia, lembram? Horário de almoço de alunos, professores e toda sorte de funcionários.

Depois de quinze metros de corrida e alguns de alguns decibéis, a lou lou do pântano deve ter se tocado que minha intenção não era roubar sua cria. Mas isso já não importava muito. Aliás, não importava nem um pouco. Eu já estava suada, o que fazia com que minha maquiagem tivesse derretido e eu me assemelhasse a um panda de gloss. Além disso, minha escova estava desfeita, meus pés cheios de lama. A catástrofe só não foi total porque eu tive o bom senso de colocar uma blusa preta e, deste modo, o resto do mundo não era obrigado a constatar a pizza no sovaco que tinha se formado com a corrida pela sobrevivência.

Pra vocês se aproximarem do tamanho da catástrofe, a moça que recebia os trabalhos me ofereceu água e perguntou se estava tudo bem, que era só pra entregar e que eu não seria argüida ali sobre meu trabalho. Rá, rá, rá. Antes fosse, meu bem. Mas eu não conseguia ainda articular palavras. Estava tremendo. Só pude sorrir e aceitar a água.

E, não, não ganhei a bolada.

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Para pedro e caio, que me torarram a paciência pra voltar e escrever sobre minhas derrotas. :)
Amo vocês!

7 ficando fora de si:

Anônimo disse...

Faltou escrever no final: "E hoje eu sou uma profissional bem sucedida que atende a elite carioca em um consultório com instalações pós-modernas na entrada em um edifício chiquérrimo na Vieira Souto."

Adooooro essa história!

Carol disse...

Ih, é!
:D

Mariano disse...

Adoro como a Carol escreve!

É como se ela estivesse contando a história pessoalmente só que melhor, pois lendo não interrompemos ela toda a hora!

Adoro interromper a Carol!

Bruno, pq vc lê e ñ comenta?
Q coisa chata!

Carol disse...

O bruno não visita meu blog... mimimimi...

Caio Miniaturas disse...

Hehehhehe, e essa do prédio chique na Vieira Souto você nem me contou, sua feia. Tenho que ficar sabendo ao bisbilhotar o comentário do Pedrinho!! hehehhe. Sobre a citação: me senti honrado... principalmente porque você tá tomando vergonha na cara e admitindo que escreve (muito) bem. Sobre o texto: sem comentários!!!! Só pra definir o que eu achei, estou aqui queimando a fuça pra ver como é que eu consigo transformar isso num roteiro de curta-metragem. Tá hilário demaaaaais!!! E o legal é que eu consigo visualizar você correndo feito louca, de salto-agulha-lamacento, com um micro-cão pendurado em sua canela. Qualquer dia desses, me mando pro Rio e me ponho a escrever contigo o roteiro de uma série de humor para a Globo!!! Hein, hein?!?! Beijos mil, lindona.

Unknown disse...

escrever sobre suas derrotas é tudo! apoiada! mas curioso é vc escrever sobre uma derrota tão antiga, como quem diz: "hj eu nem levei um banho no centro da cidade qdo estava toda feliz e faceira indo para o grupo de pesquisa"...hehehehe

Jana disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Desculpa, não da pra comentar! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Não consigo parar de rir!

Beijos