17.11.08

É nisto que Descartes encontra um novo caminho. Sua visada não é de refutação dos saberes incertos. Ele os deixará, os saberes, correr bem tranquilos, e com eles todas as regras de vida social. Aliás, como cada um nesse momento histórico do começo do século dezessete, nesse momento inaugural do surgimento do sujeito, ele tem presente muito perto dele os libertinos, que pululam, e que são como o outro termo do vel da alienação. São, na realidade, pirrônicos, céticos, e Pascal os designa por seus nomes, exceto que não acentua de maneira suficientemente livre seu sentido e seu relevo.

O ceticismo não é a colocação em dúvida, sucessiva e enumerável, de todas as opiniões, de todas as vias em que tentou deslizar-se o caminho do saber. É manter esta posição subjetiva - não se pode saber nada. Há aí algo que mereceria ser ilustrado pelo leque, pelo furtacor daqueles que foram suas encarnações históricas. Queria lhes mostrar que Montaigne é verdadeiramente aquele que se centrou, não em torno de um ceticismo, mas em torno do movimento vivo da afânise do sujeito. E é nisto que ele é fecundo, que ele é o guia eterno, que ultrapassa tudo que pôde representar do momento, a ser definido, de uma virada histórica. Mas não é isto o ceticismo. O ceticismo é algo que não conhecemos mais. O ceticismo é uma ética. O ceticismo é um modo de o homem me manter na vida, que implica uma posição tão difícil, tão heróica, que não podemos mesmo mais imaginar - justamente talvez em razão dessa passagem achada por Descartes e que conduz a procura do caminho da certeza a esse ponto mesmo do vel da alienação, para o qual só há uma saída - a via do desejo.

Esse desejo de certeza, não chegou, para Descartes, mais que à dúvida - a escolha desse caminho o levou a operar uma separação bem singular.

(...)

A certeza não é, para Descates, um momento que se possa ter por assentado uma vez que foi atravessado. É preciso que ele seja, de cada vez, por cada um repetido. É uma ascese. É um ponto de orientação particularmente difícil de manter no incisivo que constitui seu valor. É propriamente falando, a instauração de algo de separado.

Quando Descartes inaugura o conceito de uma certeza que se manteria por inteiro no eu penso da cogitação, marcada por esse ponto de não-saída que há entre a niilificação do saber e o ceticismo, que não são de modo algum coisas semelhantes - poder-se-ia dizer que seu erro é crer que isto é um saber. Dizer que ele sabe alguma coisa dessa certeza. Não fazer do eu penso um simples ponto de desvanecimento. Mas é que ele fez outra coisa que concerne ao campo, que não nomeia, onde erram todos esses saberes de que ele disse que convinha colocá-los numa suspensão radical. Ele põe o campo desses saberes no nível desse sujeito mais vasto, o sujeito suposto saber, Deus. Vocês sabem que Descartes não pôde senão, reintroduzir sua presença. Mas de que maneira singular!

LACAN, J. 1964, p. 212.

3 ficando fora de si:

Mariano disse...

A cada dia que passa respeito mais o seu trabalho!

Vou escrever uma página de um livro de termodinâmica para você ver se gosta...

hehehehehehe

Carol disse...

caraca, este trecho explica o que é central num sujeito da ciencia (que somos nós)...
:(

Mariano disse...

vou ler com calma e ponderar sobre o assunto!