21.9.08

Para meu pai.


Discover Glenn Miller!


Música é perfume, a Maria Bethânia disse uma vez. Dia destes ouvi duas ou três que me transportaram pra você. Pra nós! Lembrei de cada detalhe das nossas manhãs de domingo. Eram nossas. Só nossas. Nós acordávamos tão cedo... tããããoooo cedo. E nós ouvíamos estas suas músicas e dançávamos. Ah, pai, que vontade. Se eu soubesse que sentiria tanta saudade assim hoje, não te recusaria uma dancinha sequer. Te tiraria pra dançar tantas, tantas, tantas vezes que, tenho certeza, você ficaria de saco cheio. Sapatearia todas as vezes que você pedisse. E você pedia tão alegre:

- Vai, filha! Sapateia pra mim, vai!

E morria de vergonha. Menina boba. Mas ficava toda feliz de ser a melhor aluna do sapateado. Era pra você aquilo, pai. Eu acho que eu nem precisava ser a melhor aluna, mas eu queria ter certeza que você ficaria orgulhoso de mim.

Há uns anos, assisti um filme que se chama “As invasões bárbaras”. Banquei a corajosa e fui ao cinema sozinha. Era a primeira vez que eu fazia aquilo. Filme emblemático, dia mais ainda. Durante o filme, experimentei pela primeira vez, em quase 20 anos, me aproximar do vão que a sua morte deixou em mim, pai. Tocá-lo. Que tempo irracional foi este em que eu fingi que você não existiu pra mim? Quanto tempo foi este em que eu fingi que você não existia ainda pra mim? Como eu consegui me silenciar tanto tempo?

Chorei doído. Chorei de saudade. Chorei de vergonha. Chorei de vontade de te falar tudo que estava engasgado. Tudo: como eu sinto sua falta, como eu devo tantas coisas a você, como eu senti raiva de você quando você morreu, te perguntar por que você não se cuidou pra viver mais um pouco, como você foi capaz de fazer isso comigo, como você simplesmente foi embora sem nem dar tchau. E depois eu quis te abraçar forte, te beijar, te socar, gritar com você e depois dizer que te amo.

É que você é tão fundamental que balbuciar alguma coisa, qualquer coisa, era impossível: você me fazia o melhor Nescau do mundo. Você falava que meu perfil era o mais bonito e vivia querendo tirar foto dele, falava do meu nariz, não queria que eu tivesse sardas. Você me achava inteligente. Eu era muito pequena, devia ter uns 4 anos e estava sentada no seu colo. Você apontou pro relógio da sala e perguntou que horas eram. Eu respondi munida de toda certeza que uma menina de 4 anos poderia ter: “são meio dia”. Você gargalhou e disse: “QUE LINDA! VOCÊ É INTELIGENTE!”. Eram 6 horas e no meu ainda-embrionário-mundinho-cartesiano, o relógio e o dia tinham andamento em proporção exata.

E eu juro, pai, que depois da sua morte eu tentei com todas as forças fazer com que meu mundo fosse mesmo cartesiano, regido unicamente pelas leis de Newton. Queria que tudo do mundo se encaixasse, que tivesse lógica, explicação. Mas, engraçado, foi a sua morte que me escancarou pra verdade de que a vida não acontece sem atrito, no vácuo e em condições ideais de pressão e temperatura.

5 ficando fora de si:

Sicores disse...

É, isso.
Não ter mais o pai, o PAI , da gente por perto, faz com que a vida fique cheia de por quês...
Eu já sabia.
Mas nesse final de semana, perguntei pra minha mãe se o meu fazia tudo o que eu queria. E ela disse que sim!
Ele só não fez a última coisa que eu pedi, que tanto quis.
Queria que ele tivesse se cuidado um pouco melhor, que ele nao me deixasse aqui sozinha, arrumando a obra de uma casa que era pra ele ter deixado pronta pra que eu morasse, que ao menos ele pudesse ir de mãos dadas com o meu filho, ali na padaria pra comprar o pão, q conhecesse meu filho, e que tivesse feito o favor, de não ter morrido tão cedo.
Ah! Foram tantos os sambas que me ensinou, e eu nem tive tempo de ensinar os que aprendi, e que ele nem conheceu...
É, vc escreveu tudo o que uma garota sente quando o pai que tanto ama, não está mais por perto.
Eu e Quiquinho choramos na viagem qdo ouvimos, "coisinha bonitinha do pai" com o Monobloco. Só a gente pra chorar com o Monobloco...rs
Bom, vida que segue. É o que dizem.
Mas eu ainda não me acostumei.
Não sei como seguir.
Lindas palavras!
E mesmo que não seja o bastante,estamos sempre por aqui.
Bjs da Si.

Jana disse...

Desculpe não li, quando vi sobre o que se tratava não li. Perdi meu pai ha 19 anos e ainda não sei lidar com essas situações...

beijos

Unknown disse...

Pôxa, me emocionei muito com o post, com a música muito bem adequada ao q vc queria transmitir e transmitiu.
Graças a Deus ainda tenho o meu pai, e ñ gosto nem de imaginar um dia ñ tê-lo mais por perto.
Esse seu texto faz a gnt pensar em querer apreciar cada momento q seja possível para c/ os nossos.
Eu sei q ñ é o bastante... mesmo assim, desejo-lhe força sempre!
Bjs!

Bárbara Fiz disse...

estou emocionada com o post
essa semana vou fazer as passes com meu pai pois agora pude sentir o quanto eu vou sentir falta dos sermões dele ...

beijos e força!

Caio Miniaturas disse...

Que LINDO esse texto!! Mais ainda: que linda a forma como você extravasou algo que estava guardado há tanto tempo, tão amarradinho na gaveta da saudade. E a gente (nós, leitores seus) foi lendo e sofrendo junto, se emocionando junto, feliz em ver que você tirou de tudo isso a mais linda das lições: que existe vida após a morte. E não estou falando de espiritismo ou qualquer coisa do gênero. Estou falando de manter viva a imagem de alguém que foi/é importante pra gente, alguém que é muito responsável por grande parte do que/de quem você é hoje. Que bom que você se permitiu isso, Karo... e que sensibilidade a sua em escolher a melhor forma de fazê-lo. Eu tenho certeza de que você não mensura o orgulho que tenho em ter te conhecido e aprendido tanto contigo. Você é linda. Por dentro e por fora. Um beijo gigantão de um baianinho de olhos marejados com as palavras tuas.